as coisas nem sempre são como queremos mas temos que aceitar elas.


Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, deixou de ser só mais um personagem da crônica policial carioca na manhã do sábado (21), quando o bairro de São Conrado despertou ao som dos tiros de fuzil disparados por bandidos vestidos de preto e ostentando colares de ouro no peito. Às 8h30 da manhã, cerca de 60 homens armados, entre eles Nem, enfrentaram a polícia. Na confusão, dez deles invadiram o Hotel Intercontinental e fizeram 35 reféns por três horas. As imagens do tiroteio, captadas por moradores dos prédios vizinhos, foram mostradas em vários países. Em poucas horas Nem passaria a ser visto como o inimigo número um da imagem de paz que o Rio vem lapidando nos últimos anos. Para uma cidade que tem celebrado o sucesso da política de pacificação das favelas, e que sediará as Olimpíadas, não foi uma boa propaganda.

A operação acabou com “apenas” uma morte: a de uma suposta tesoureira do tráfico, cujo corpo foi deixado no asfalto para a polícia recolher. Por alguns minutos, Nem chegou a ser enquadrado pela arma de um policial, mas fugiu por dentro de um condomínio em direção ao morro. Na véspera, ele havia saído com um grupo de amigos e amigas para uma festa no morro vizinho, o Vidigal. Poucas horas depois, Nem se tornaria o símbolo daquilo que pode haver de pior no Rio de Janeiro: a sensação de insegurança.

Há cinco anos Nem é o líder do tráfico na Rocinha, a maior favela brasileira, com mais de 120 mil habitantes. Incrustada num dos metros quadrados mais caros do Rio de Janeiro, com vista para o mar e montanhas, a Rocinha é um desafio para a estratégia do governo fluminense de reocupar os morros dominados pelo tráfico na cidade. Contra o sucesso das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), a Rocinha oferece duas armas. Uma é seu gigantismo. Seriam necessários quase 2 mil policiais para controlá-la. A segunda arma é o próprio Nem e o sucesso de sua “gestão” do crime no morro.

O inimigo número um do Rio entrou para o tráfico por acaso. No início da década, uma das filhas de Nem teve um grave problema de saúde e precisou de tratamento. Sem dinheiro, ele, que não era traficante, recorreu ao então dono das bocas de fumo, Lulu, e pediu R$ 50 mil. Mesmo assustado com a quantia, Lulu ficou sensibilizado com o drama da menina, que tinha 10 anos. Estendeu a mão a Nem, que prometeu quitar a dívida fazendo favores para o tráfico. “O Lulu morreu, o Bem-te-vi assumiu o tráfico e o Nem nunca conseguiu pagar o que devia”, diz a deputada federal Marina Magessi, que fez escutas com autorização judicial no telefone de Nem por dois anos, quando era detetive no Rio.
Nem gosta de ostentar e já alugou um helicóptero para uma de suas três mulheres conhecer a cidade do alto

Com a morte de Bem-te-vi, em 2005, Nem assumiu o tráfico e seguiu a mesma estratégia assistencialista de Lulu: ajudar os moradores para conseguir aliados. Desde então, se tornou o principal distribuidor de drogas da Zona Sul da cidade. Cadernos de sua contabilidade apreendidos pela polícia mostram que ele fatura R$ 680 mil mensais com a venda de drogas só na Rocinha. Ele também controla o comércio no Morro de São Carlos e na Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional popular encravado no sofisticado bairro do Leblon. De acordo com o delegado e chefe da Polícia Civil, Allan Turnowski, a venda de cocaína na Rocinha e no São Carlos gerou R$ 96 milhões em dois anos. O faturamento é quatro vezes o de dez anos atrás.

Para continuar crescendo, Nem profissionalizou o tráfico. Confiou suas finanças a um estudante de graduação em matemática, Saulo de Sá Silva, de 32 anos, já preso. Ele ainda cooptou ex-policiais para treinar seus 17 seguranças e garantir informantes. Um deles, Carlos Henrique Pereira Januário, foi preso no ano passado por repassar informações ao traficante. E, para lavar o dinheiro do tráfico, Nem criou pelo menos quatro empresas em nome de laranjas.

Como fatura alto, Nem ostenta. Em 21 de dezembro de 2007, ele alugou um helicóptero para que uma de suas três mulheres desse uma volta sobre o Rio de Janeiro. Numa cena extravagante, o helicóptero pousou numa garagem de ônibus perto da favela, onde Danúbia de Souza Rangel, então com 25 anos, subiu a bordo exibindo um cordão de ouro com um pingente com a letra “N”. As fotos do passeio foram postadas na conta dela no Orkut. Para a polícia, o próprio Nem estaria também no helicóptero. Em março deste ano, policiais invadiram uma das casas do bandido na Rocinha. Encontraram uma TV de LCD de 42 polegadas e outros eletrônicos caros, como um videogame PlayStation 3, além de piscina, churrasqueiras, uma geladeira de porta dupla e aço inox avaliada em R$ 6 mil e até ternos da grife italiana Armani. Segundo moradores, Nem se orgulha de dizer que, na Rocinha, “até olheiro ganha R$ 150 por noite”. Uma de suas frases favoritas é “Não tem mendigo aqui”.

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